quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Os quilombolas de Talhado

Galpão de produção
Da esquerda para direita: Riccardo Migliore (câmera e fotografia), José Aderivaldo (diretor) e seu José Batista, o único homem que participa da produção das panelas no galpão na cidade de Santa Luzia.


Equipe colhendo o relato de dona Rita em frente ao galpão de produção das louças no bairro São José
Igreja matriz de Santa Luzia

Talhado rural
Equipe de produção saindo para as filmagens na serra do Talhado


A gravação do documentário Talhado ocorreu tanto na zona rural como em parte da zona urbana da cidade de Santa Luzia, Paraíba, entre os dias 19 e 23 de setembro. Isto porque nessas localidades se encontram respectivamente o Quilombo do Talhado e o Quilombo Urbano de Serra do Talhado que são as fontes de onde saiu a história que se tornou documentário.

O Talhado já é muito conhecido, e tudo graças ao documentário “Aruanda” de Linduarte Noronha realizado na localidade na década de 1960. Este documentário contou o processo de ocupação do sítio Talhado pelo escravo fugitivo de nome Zé Bento a partir de quem se constituiu posteriormente toda a comunidade.

Distante da cidade a 25 km, o sítio Talhado possui um difícil acesso em função da serra e das condições da estrada. Os seus moradores vivem basicamente da agricultura familiar e do trabalho em mineração. Na década de 1970 houve um processo de migração bastante intenso dos moradores do Talhado para a cidade de Santa Luzia e passando a povoar principalmente os bairros São José e São Sebastião. Em 2004 o Talhado foi reconhecido pela Fundação Palmares como área remanescente de quilombo e no ano seguinte parte do bairro São José foi reconhecida como extensão do Talhado e, portanto, área quilombola também.

A vida no Talhado mudou, veio o reconhecimento quarenta anos depois do filme de Linduarte utilizar o termo quilombo. Todos esses fatos produziram uma nova relação entre os agora oficialmente quilombolas e o restante da cidade. Nesse novo momento duas coisas se destacam: a produção da cerâmica na cidade, uma vez que o processo de migração extinguiu a produção na zona rural, e a musicalidade. O Talhado é o “berço” de grandes músicos, sobretudo, de sanfoneiros que passam a animar a vida cultural da cidade.

O documentário que leva o mesmo nome do quilombo é um registro desse novo momento que aquela comunidade vive. Não se trata, portanto, de um remake do “Aruanda” mas sim a retratação de um nova identidade daquela população e que não era assim reconhecida. A idéia de ressurgimento se contrasta com a incerteza dos rumos que vai tomar a comunidade seja pela migração da zona rural para a zona urbana seja pelas dificuldades de sobreviver apenas da produção artesanal. Existe uma opção polêmica do diretor de mostrar as tensões que fazem parte da vida de uma comunidade quando se trata da manutenção das tradições, da permanência na terra, da sobrevivência, bem como entre as gerações que ali vivem.

Assim os entrevistados fazem esse quadro e tornam o documentário interessante. Seu Sebastião e dona Joana são o casal mais antigo e que reside no sítio e preserva os seus valores. Juntamente com dona Rita, que mora hoje na zona urbana, mostram deste modo uma história que se construiu naquela comunidade; professora Gilvaneide retrata o presente da comunidade, alguém que esteve bastante envolvida com todo o processo de reconhecimento e que no seu dia-a-dia repassa aos alunos que tem o significado e a importância de ser quilombola; Céu, líder das louceiras e presidente da associação dos quilombolas do Talhado urbano, também expressa essa atualidade: a vinda da zona rural para fazer panela e diversificar essa produção, o aumento da interdependência da cidade e o conseqüente reconhecimento como área Quilombola; os sanfoneiros Titico e Nuna são figuras muito simbólicas desse novo momento no qual existe uma visibilidade maior dada a estes músicos que, entretanto, não apaga da lembrança a situação de vida que tinham na época em que moravam no sítio. Por fim, a Janaína, jovem e filha da Gilvaneide, é expressão dessa nova mentalidade, das perspectivas de futuro vivenciadas pelos jovens quilombolas.

O documentário Talhado revela um pouquinho do Brasil escondido entre as serras do Vale do Sabugi, na Santa Luzia.

Fotos: José Aderivaldo

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